
Entre as memórias de Pinto da Costa e um golo à Roma, num triunfo importantíssimo nas Antas, na Taça das Taças, de 1981/82, Mickey Walsh falou com o JOGO num momento sensível para o imaginário portista pela perda do homem que conduziu os destinos com firmeza e perícia absoluta, alcançando longevidade e resultados invejáveis à escala europeia. O irlandês, agora em Inglaterra, mas regularmente cúmplice da Invicta com passagens longas pela cidade do Porto, onde mantém casa, acompanhou a entrada em cena de Pinto da Costa como líder máximo dos dragões, que acontece em abril de 1982. “Fiquei muito triste com a receção da notícia. Sabia que não estava bem, mas foi um choque. Ele foi um grande amigo, um grande homem e um grande presidente. Há um ano, talvez, ele viu-me no parque do Dragão, tinha levado os meus netos a um jogo e chamou-me para me dar um abraço”, recua Walsh, confidenciando um apreço que nunca se esgotou e uma amizade que jamais fugiu de vista. A importância é apalpada por uma guerra bem travada pela sua permanência nas Antas, quando dispararam manobras de hostilidade entre FC Porto e Sporting, a partir da contratação de Futre.
“Eu estava em final de contrato quando ele chegou a presidente e ele investiu em que ficasse. O Sporting tinha vindo buscar o Sousa e o Pacheco ao FC Porto, após a saída do Futre, e o presidente João Rocha também falou comigo Ofereciam-me muito e queriam que aceitasse logo. Não me quis comprometer porque não queria sair”, recorda. “Falei com o Pinto da Costa e recebi a proposta que queria. Fiquei mais três anos, mesmo ganhando menos que se tivesse ido para Alvalade. Valeu bem a pena, vieram dois campeonatos seguidos, em 83/84 e 84/85. Foram tempos bem melhores. Só posso falar de um grande presidente para mim”, destaca o irlandês, de 70 anos, precisando sobre o poder negocial que ousou com o dirigente.
“Foi curioso que eu não aceitei a primeira oferta, ficava muito longe do Sporting. Levantei-me, agradecendo ao presidente e quando ia abrir a porta ele pede-me para voltar a sentar, porque a imprensa estava lá fora à espera das novidades. Ele aumentou a oferta e eu aceitei imediatamente”, explica.
Walsh foi goleador de serviço no FC Porto, um estrangeiro muito produtivo no ataque e com química fácil com quem o servia. Formava-se uma família com um alicerce indispensável. “Ele estava sempre no estádio, chegava todos os dias ao balneário mas não interferia nada com o treinador nas escolhas e nas táticas. Sentia-se só a presença dele como pessoa amiga, que queria sempre apoiar os jogadores. Apanhei Stessl, Pedroto e Artur Jorge e Pinto da Costa foi sempre igual”, conta gabando o portismo e perseverança que atropelou os cálculos dos grandes rivais. “Ele era doente, era um presidente adepto, gostava do FC Porto com os sentimentos comuns de qualquer um que vá ver a equipa ao estádio. Era de coração azul, lutava pelos jogadores e pelo clube a toda a hora”, resume Walsh.
O antigo avançado irlandês, que brilhou no Blackpool e que o FC Porto trouxe do Q.P.R., identifica os momentos altos na companhia do presidente.
“As vitórias nos Campeonatos de 84 e 85 foram fantásticas, era um clube que só tinha vencido um campeonato em 20 anos antes disso. Foi inesquecível e ele não nos poupou em abraços. Estava connosco como se fosse jogador. Sentava-se no banco em cada jogo, bebia o jogo junto à relva, nunca se escondeu em escritórios. Os jogadores sentiam essa proximidade e ainda se galvanizavam mais por ele”, explana, avaliando o longo reinado de 42 anos. “Foi algo impressionante. Ele começou, eu jogava no FC Porto, e praticamente a minha vida em Portugal faz-se com ele como presidente”, reflete.
“Seria fantástico eliminarem a Roma e entregarem este apuramento a Pinto da Costa”
A respeito da Roma, adversário que ajudou a abater em 81/82, num oportuno golpe de cabeça – abertura de contas num 2-0 – Walsh mergulha nesse arreganho portista nas lides europeias que começou a ser exercido na década de 80, exponenciado depois com Pinto da Costa. “Aqui o presidente ainda era Américo de Sá. Tínhamos uma boa equipa mas a Roma seria certamente uma das melhores da Europa, por ter Ancelotti, Conti ou Falcão- O FC Porto estava a mudar de ciclo, a crescer com jovens como João Pinto e Jaime Magalhães. Como eu gostava do Magalhães, um grande ala, cruzava muito bem as bolas, ajudou-me em muitos golos. Ele faz um cruzamento, eu com ângulo muito apertado, consegui empurrar ao segundo posto. Estávamos na frente com esse golo e o Costa marcou o outro. Fizemos um grande jogo”, lembra, pondo foco noutro protagonista na segunda mão.
“Em Roma foi defender com todos os recursos e o Fonseca foi incrível na baliza, fez grandes defesas e conseguimos manter a baliza a zeros, perante um enorme adversário. Eles atacavam e nós defendíamos, não nos faltou confiança num ambiente impressionante no Olímpico”, sublinha.
Da história feita em 1981/82 até outros cruzamentos bem-sucedidos com a Roma, Walsh levanta o véu das suas expetativas atuais. “A Roma era, na época, muito poderosa e a Itália tinha uma das melhores seleções do mundo. Foi uma ocasião histórica deixá-los pelo caminho. Que agora se repita, acredito que um bom jogo defensivo ajudará o FC Porto e, fazendo um golo, pode resolver as coisas a seu favor. As equipas portuguesas transcendem-se na Europa e o FC Porto tem um legado forte nestes momentos. Vão dar tudo”, antecipa o irlandês, desejoso que o Dragão se faça gladiador na arena romana num momento conturbado. “Períodos destes acontecem a todos. É ver o City e o United, em Inglaterra. Vivem as dificuldades de uma renovação, há um treinador novo, novos jogadores. Mas sei que o FC Porto está em boas com Villas-Boas. Seria fantástico eliminarem a Roma para entregarem essa vitória a Pinto da Costa. Eu continuo a vibrar muito pelo FC Porto e toda a família é portista”, confessa o antigo ponta-de-lança, ciente que os dragões também acertaram no homem que trouxeram para o ataque, mesmo com Samu a atravessar período menos fértil em golos. “Gosto dele e começou muito bem, a marcar, a movimentar-se. É muito novo e não pode deixar de lutar, treinar sempre no máximo, apoiar os colegas. Todos devem trabalhar em prol da equipa e o resto aparecerá”, sustenta.